sábado, 25 de agosto de 2012

Canção como fenômeno e produto culturais


Tem um amigo meu que sustenta a opinião de que o valor de uma canção está em sua capacidade de inserção na cultura popular. Segundo ele, quanto mais enraizada e até mesmo “anônima” a canção for, tanto melhor. Eu, entretanto, discordo. Não acredito que a popularidade seja o melhor critério para julgar possíveis qualidades e defeitos de uma canção. Aliás, o fenômeno da popularidade é algo que eu julgo controverso e sobre o qual ainda não tenho nenhuma opinião definida, de modo que, ao conversar sobre o assunto, a única contribuição que eu trago é esta: que a popularidade é um fenômeno em si que não agrega necessariamente valor qualitativo a uma obra de arte de qualquer natureza.

Mas voltando à afirmativa do meu amigo, umas das conclusões que eu posso tirar dela, e sobre a qual acho que reside a fragilidade da sua opinião, é que ele mantém um pensamento pré-capitalista sobre a canção. Por que pré-capitalista? Explico. Porque ele ainda pensa a canção contemporânea como fenômeno cultural e não como produto cultural. Não sei se estes termos (fenômeno e produto) correspondem à terminologia dos estudos culturais que se debruçam sobre a questão da música popular. Mas creio que esta distinção entre fenômeno e produto possa ser facilmente compreendida. Ao passo que no fenômeno se agregam as expressões culturais anônimas e conjuntas de um povo (por exemplo, o samba-de-roda da região do recôncavo baiano), o produto cultural nasce sob a égide de um indivíduo que, embora manipule este material cultural anônimo e comum, subtrai dele sua expressão particular e, sobretudo, o comercializa como seu. E aqui entra o complicado tema dos direitos autorais, que poderei futuramente tratar num texto à parte.

Caetano Veloso, em um trecho do programa Samba na Gamboa, o qual fiz questão de anexar ao post, fala exatamente sobre esta distinção entre fenômeno e produto culturais. Ao explicar ao entrevistador como compôs sua primeira música gravada (É de manhã, de 1963, Caetano fala de como se apropriou de partes da letra da canção tradicional para compor o seu samba “em tom menor”. É uma fala curiosa porque retrata exatamente a transição entre o estágio pré-canção moderna (ou, canção tradicional) para o que hoje entendemos como canção. Ele termina o trecho do vídeo dizendo que mesmo sendo “outra coisa”, a sua canção e a cantiga tradicional são “a mesma coisa”. Eu diria que mesmo vindo da “mesma coisa”, É de manhã e a cantiga popular não são a mesma “coisa” e não podem ser medidas sob o mesmo parâmetro.


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