Tem
um amigo meu que sustenta a opinião de que o valor de uma canção está em sua
capacidade de inserção na cultura popular. Segundo ele, quanto mais enraizada e
até mesmo “anônima” a canção for, tanto melhor. Eu, entretanto, discordo. Não
acredito que a popularidade seja o melhor critério para julgar possíveis
qualidades e defeitos de uma canção. Aliás, o fenômeno da popularidade é algo
que eu julgo controverso e sobre o qual ainda não tenho nenhuma opinião
definida, de modo que, ao conversar sobre o assunto, a única contribuição que
eu trago é esta: que a popularidade é um fenômeno em si que não agrega necessariamente
valor qualitativo a uma obra de arte de qualquer natureza.
Mas
voltando à afirmativa do meu amigo, umas das conclusões que eu posso tirar
dela, e sobre a qual acho que reside a fragilidade da sua opinião, é que ele
mantém um pensamento pré-capitalista sobre a canção. Por que pré-capitalista? Explico.
Porque ele ainda pensa a canção contemporânea como fenômeno cultural e não como produto
cultural. Não sei se estes termos (fenômeno
e produto) correspondem à
terminologia dos estudos culturais que se debruçam sobre a questão da música
popular. Mas creio que esta distinção entre fenômeno
e produto possa ser facilmente
compreendida. Ao passo que no fenômeno se agregam as expressões culturais
anônimas e conjuntas de um povo (por exemplo, o samba-de-roda da região do
recôncavo baiano), o produto cultural nasce sob a égide de um indivíduo que,
embora manipule este material cultural anônimo e comum, subtrai dele sua
expressão particular e, sobretudo, o comercializa como seu. E aqui entra o
complicado tema dos direitos autorais, que poderei futuramente tratar num texto
à parte.
Caetano
Veloso, em um trecho do programa Samba na
Gamboa, o qual fiz questão de anexar ao post,
fala exatamente sobre esta distinção entre fenômeno
e produto culturais. Ao explicar ao
entrevistador como compôs sua primeira música gravada (É de manhã, de 1963, Caetano fala de como se apropriou de partes da
letra da canção tradicional para compor o seu samba “em tom menor”. É uma fala
curiosa porque retrata exatamente a transição entre o estágio pré-canção
moderna (ou, canção tradicional) para o que hoje entendemos como canção. Ele
termina o trecho do vídeo dizendo que mesmo sendo “outra coisa”, a sua canção e
a cantiga tradicional são “a mesma coisa”. Eu diria que mesmo vindo da “mesma
coisa”, É de manhã e a cantiga
popular não são a mesma “coisa” e não podem ser medidas sob o mesmo parâmetro.
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